Atividades de agronegócio no entorno do Parque Nacional Grande Sertão Veredas trazem problemas para os pequenos produtores e ameaçam à biodiversidade da região
A princípio, pode soar estranho que o município de Chapada Gaúcha esteja localizado no sertão de Minas Gerais. A explicação está na história do local, colonizado na década de 70 por famílias vindas do sul do país. Atraídos pelo preço da terra, os colonos gaúchos estabeleceram ali extensas lavouras, importando para o cerrado um modelo de exploração baseado na monocultura e no plantio linear de grãos. Hoje, o agronegócio constitui a principal atividade econômica local. Marco Túlio da Silva Ferreira, Gestor Técnico do Projeto Extrativismo Vegetal Sustentável no Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, denuncia as dificuldades que a hegemonia da agricultura intensiva traz para outras formas de lidar com a terra, desarticulando todo um modo de vida. “Do jeito que as coisas estão postas na dinâmica territorial, é impossível que as comunidades tradicionais e os pequenos produtores agroextrativistas consigam sobreviver aos impactos do agronegócio na região”, ele aponta.
Impactos que articulam as dimensões cultural e ambiental da ocupação do território. Em torno da sede no município de Chapada Gaúcha, há três unidades de conservação ambiental: o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, o Parque Estadual Serra das Araras (ambos classificados como áreas de proteção integral) e a Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari. Marco Túlio explica que muitas vezes as lavouras vão até os limites das unidades de conservação, desrespeitando as zonas de amortecimento previstas nos planos de manejo. Mesmo quando não infringem a delimitação do território, essas atividades dificultam o trabalho de extrativismo no local. “O agronegócio avança rapidamente nas áreas das comunidades de Buracos e Buraquinhos, por exemplo, onde há áreas de importância para o extrativismo de plantas e frutos do cerrado, como a favela e o araticum”.
Além do desmatamento de áreas nativas de cerrado, outro problema sério é o uso indiscriminado de agrotóxicos. Desde o início do ano, denúncias envolvendo a dispersão aérea de defensivos agrícolas revelam o risco eminente de que as áreas protegidas sejam atingidas por esse tipo de produto. Mas os aviões não são o único fator que inspira cuidados. Ainda que os venenos não fossem despejados por via aérea, diversas pesquisas apontam como a utilização manual de agrotóxicos pode levar à contaminação do solo e dos recursos hídricos do entorno das lavouras. O plano de manejo do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, elaborado em 2003, prevê a implantação de um programa de monitoramento da qualidade das águas superficiais. Até hoje, no entanto, nenhum estudo do tipo foi realizado na região.
Alternativas
De acordo com Marco Túlio, a única maneira de minimizar os impactos do agronegócio é buscar outros paradigmas, que promovam práticas sustentáveis de relação com o território. O cerne da questão, para o biólogo, é perceber a falsa dicotomia estabelecida entre produção agrícola e preservação da biodiversidade. “Há uma ignorância muito grande em torno da terra. A visão geral dos médios e grandes produtores é a de que o cerrado é um mato, que deve ser domesticado”. Para que seja possível uma relação de convivência saudável entre diferentes escalas de atividade agrícola, a valorização da biodiversidade local e o reconhecimento da sabedoria tradicional são questões fundamentais. “É preciso considerar o manejo do ecossistema agrícola como um todo, em uma compreensão holística da relação entre os componentes biológicos, o solo e os recursos hídricos envolvidos”, ele explica. O uso de agrotóxicos pode ser evitado com dinâmicas simples, como a diversificação do sistema, em métodos como a rotação de culturas, e o manejo sustentável das pragas, em práticas de controle biológico.
Matéria publicada na 7ª edição do Jornal do Mosaico – maio/junho de 2013