Notícia | 5 de outubro de 2015

Porteiras abertas para o Sertão

Parque Nacional Grande Sertão Veredas inaugura sua primeira trilha para visitação turística

Um singelo murinho de adobe, dois pilares de madeira e uma placa no alto com o nome do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Logo após do portal, um recado surge na entrada do parque: “Agora, o mundo quer ficar sem sertão… Se um dia acontecer, o mundo se acaba”. A mensagem é forte, alarmante e esperançosa ao mesmo tempo, com a marca inconfundível de João Guimarães Rosa. E é assim que os visitantes serão recebidos a partir de agora na entrada desta importante Unidade de Conservação de Proteção Integral que envolve áreas dos municípios de Chapada Gaúcha, Formoso e Arinos, em Minas Gerais, e de Côcos, na Bahia.

“O senhor vá escutando…”

Na manhã da última quinta-feira (01/10/15), a Unidade inaugurou sua primeira trilha oficialmente aberta para visitação. A Trilha do Mato Grande, construída pela Fundação Pró-Natureza (FUNATURA), com apoio do Funbio / TFCA e parceria do Parque Nacional Grande Sertão Veredas / ICMBio, já é considerada uma das principais atrações do local, pelo grande volume d’água de seus rios e pela exuberância dos ambientes de cerrado e animais ali presentes.

Já na fronteira de Minas com a Bahia, convivendo com a perigosa fronteira agrícola de seu entorno, o Parque Nacional possui uma área ampla de mais de 230 mil hectares de cerrado bem preservado, com a presença de rios, nascentes e veredas ornadas de buritis, onde a imaginação embarca longe, como nas sagas dos contos e romances de Guimarães Rosa. Homenagem explícita a encantadora obra Grande Sertão: Veredas, o parque procurou a partir da literatura de Rosa ressaltar a importância ecológica da região, com uma proposta de proteção do meio ambiente, da geografia, cultura e mitologia do sertão mineiro.

Parceria construtiva

A Funatura, uma das ONGs ambientalistas mais tradicionais do Brasil, vem atuando na implementação de ações no Parque e sua área de influência, desde a criação da unidade em 1989. Para coroar as iniciativas de uso público do “Projeto Grande Sertão Veredas”, a Trilha do Mato Grande vem para cumprir uma reivindicação antiga de moradores da região, das prefeituras e também de pessoas que chegam de longe para conhecer os encantos do local. O Setor de Visitação Mato Grande já era previsto no Plano de Manejo do parque e agora passa a ser a primeira de uma série de estruturas que poderão ser implantadas para receber turistas dentro da UC.

A cargo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a gestão do parque estima o trabalho em equipe, como um dos maiores diferenciais para as suas ações na Unidade e entorno nos últimos anos. O potencial do trabalho em conjunto entre entidades civis e órgãos públicos para a gestão compartilhada dos parques nacionais foi destacado pelo superintende executivo da Funatura, Cesar Victor do Espírito Santo: “A gente acredita muito que esses trabalhos em parques nacionais em parceria entre órgãos públicos e entidades civis têm um papel importante. Por exemplo, por meio de ações de educação ambiental, apoio na produção agroextrativista no entorno dos parques, no planejamento do turismo. Quando se tem um foco comum, com debates interessantes e respeito entre as instituições, o potencial é muito grande”.

Neste sentido, a inauguração da trilha marca uma iniciativa emblemática, no intuito de aproximação do parque com a comunidade do entorno e turistas. Luiz Sergio Martins, chefe da Unidade, enxerga um movimento gradual para o turismo: “Tem que ser um processo que ocorra naturalmente e gradualmente. Anteriormente trabalhamos mais com a infraestrutura da unidade, na sede, com veículos e reformas. Agora que já tem a base, dá para evoluir. Um dos focos principais passa a ser o uso público, onde a gente vai conseguir dar um retorno para a sociedade. O pessoal vai chegar, ver, curtir, conhecer, interagir com as entranhas do parque”.

Mato Grande, mais um passo para o turismo em bases sustentáveis no Mosaico

A trilha de 2200 metros de extensão é leve, fácil de ser percorrida e corta vários ambientes do cerrado, margeando o Rio do Mato Grande. Durante a caminhada há um mirante, placas interpretativas em grotas nomeadas de acordo com os animais recorrentes no local, como o tamanduá, o inhambu, o lobo e a cobra. A questão ambiental e cultural estão ressaltadas nas placas, mesclando informações sobre os animais e frases de Guimarães Rosa. Além de informações em inglês para os turistas estrangeiros, a estrutura também conta com acesso para cadeirantes no Mirante da Siriema, um pouco antes da trilha, e também ao final, já chegando à Cachoeira, onde foi erguido um quiosque e um banheiro seco.

O turismo enquanto alternativa de desenvolvimento novamente aparece como um dos direcionamentos apontados por vários atores locais para a discussão sobre a região do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu. O Parque Nacional Grande Sertão Veredas possui um apelo muito forte, não só pela atração literária, mas principalmente pelas belezas envoltas em torno do cerrado e suas veredas. O próprio chefe do Parque salienta a relação entre turismo e proteção da biodiversidade, sob uma perspectiva importante da valorização ambiental: “Você só vai proteger ou criar uma empatia com alguma coisa que você conhece. Se não, como é que você vai se interessar ou criar aquela empatia, ficar preocupado, curtir, se você não tiver a chance realmente de sentir, de conhecer? Levando as pessoas para dentro do parque, cria aquele impacto, porque realmente é um parque lindíssimo e já pega a pessoa pela alma, dá uma fisgada! A pessoa começa a ver a diferença, a entender o que é um parque, uma área de sertão, uma área de cerrado protegido, conservado, com a biodiversidade saltando aos olhos”.

Para além do Parque, o gestor da unidade e a equipe da Funatura enxergam no Mosaico Sertão Veredas Peruaçu um grande potencial para se trabalhar a questão do desenvolvimento sustentável. O cenário ambiental é encantador, aliado a possibilidade de se vivenciar e compartilhar com os moradores desses locais os conhecimentos culturais, proporcionando uma experiência única.

O trabalho de planejamento vem sendo construído de forma compartilhada no âmbito do Conselho Consultivo do Mosaico, composto por de várias instituições públicas, da iniciativa privada e sociedade civil organizada. Cesar Victor, da Funatura, aponta que “O mosaico tem um potencial muito grande, tanto na vertente conservação da biodiversidade, do uso sustentável das comunidades que estão por aqui, quanto na questão do turismo”. Para ele, as Unidades de Conservação da região possuem características bastante diversas, cada qual com suas particularidades, seus atrativos, que precisam também ser objetos de planejamento, inclusive para as terras indígenas e para os grupos que se reconhecem como comunidades tradicionais, quilombolas, dentre outros. “É uma riqueza enorme em termos de biodiversidade, fauna, flora, recursos hídricos que forma a Bacia do Rio São Francisco, riqueza cultural e povos tradicionais. Tudo isso transforma o Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu num território muito interessante que, com certeza, será bastante valorizado pelas pessoas da região e também por pessoas de fora”, afirma Cesar.

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