Imagem: Thais Lima / WWF – Brasil
O lugar de encontro: comunidade de Areião, município de Januária. Lá, aos poucos chegavam membros de diversas comunidades e parceiros de todo o do norte de Minas para o VIII Festival de Convivência com o Semiárido, no último 23 de outubro. A chegança animava o início do festival, vinha gente de São João da Ponte, Mirabela, Miravânia, Januária, Montes Claros, Patis, Itacarambi, Manga, São Francisco, Ibiracatu, São João das Missões, Janpovar, Chapada Gaúcha, Cônego Marinho, Pedras de Maria da Cruz, dentre outros recantos dos “gerais”.
Contando com toda essa diversidade regional, o Festival – realizado pela Cáritas Diocesana de Januária – teve como finalidade o fortalecimento da agricultura familiar, a valorização cultural dos povos e comunidades tradicionais, a capacitação de agricultores e agricultoras para a convivência com o semiárido e visibilidade das alternativas de desenvolvimento local. Dentro da programação houve espaço para oficinas temáticas de temas variados, desde “Agroecologia”, “Gestão da Água” e “Educação do Campo”, até a “Valorização do Trabalho da Mulher e Igualdade de Gênero”. Na parte da tarde foram abertas as apresentações culturais dos grupos da região, como a dança afro, danças indígenas, São Gonçalo, Folia de Reis e uma boa moda de viola.
Por fim, houve o Lançamento do Portfólio do Programa Água Brasil, com as ações desenvolvidas dentro do Projeto Peruaçu, executado pela Cáritas, em parceria com WWF-Brasil, Banco do Brasil, Fundação Banco do Brasil, Agência Nacional de Águas e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Buscando experiências com o semiárido
A semente do evento surgiu primeiramente em terras baianas, quando o Projeto Seriema – também desenvolvido pela Cáritas – levou um grupo de 20 agricultores e agricultoras para conhecer a experiência de Convivência com o Semiárido nas cidades de Valente, Quixabeira e Pintadas. O coordenador do Projeto Peruaçu pela Cáritas, Jerre Ribeiro Sales, conta um pouco dos primeiros contatos com tais atividades: “A partir desse primeiro envolvimento, compramos a bandeira da luta, lá vimos diversas experiências da família agrícola, da valorização do trabalho da mulher, questões ligadas às cooperativas, do acesso ao crédito, da educação para a cidadania e da educação no campo. E na Bahia também havia um Festival de cultura e de troca de experiência, similar ao que trabalhamos hoje aqui no Mosaico”.
Um ano após a vivência na Bahia, o Festival passou a acontecer regularmente também em Minas, desde 2003. O primeiro foi na comunidade Barra do Pequi, em Chapada Gaúcha, e depois em outras comunidades do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu e entorno, como Barra do Tamboril (Januária), Sambaíba (Januária), Tabocal (São Francisco), e Raizama (Bonito de Minas).
Para Jerre, o grande prêmio dessas ações é a continuidade do projeto e da possibilidade de gerar a autonomia dessas comunidades: “Nosso sonho é valorizar os agricultores e premiá-los! Não com uma placa ou um certificado. Premiar assim: se ele é o que mais produz cabra, então vamos dar o incentivo para ele produz ainda mais. Ou se ele tem excelência na produção de mel ou com pequenos animais, então vamos contribuir com o trabalho. Este seria o grande prêmio!”.
“No semiárido tem de tudo. O que não tem a gente inventa”
Diferente dos outros domínios morfoclimáticos no Brasil, de climas úmidos e semiúmidos, a escassez de água marca o semiárido brasileiro, pela má distribuição das chuvas no tempo e no espaço, o que leva a concentração do volume pluviométrico em determinados períodos do ano. Apesar disso, a convivência com as adversidades climáticas é característica histórica deste território, já que esta é considerada a região semiárida mais povoada do mundo!
A partir de um cenário de riqueza sociocultural, por um lado, e dificuldades hídricas, por outro, as ações desenvolvidas no norte de Minas vêm implantando tecnologias sociais, dentro do contexto do Programa Água Brasil na bacia do Rio Peruaçu.
As tecnologias sociais visam garantir o direito ao acesso à água, associado a segurança alimentar e a uma qualidade de vida no meio rural, contribuindo com a criação de um modelo de desenvolvimento rural sustentável nas comunidades rurais localizadas na Área de Proteção Ambiental Cavernas do Peruaçu. Tais tecnologias estão associadas à ação de capacitação, organização comunitária, gestão de água, geração de renda, segurança e soberania alimentar.
Com o lema de que “No semiárido tem de tudo. O que não tem a gente inventa”, as propostas dentro do Festival tentam chamar atenção para a valorização cultural do povo que vive no semiárido e para boas práticas agropecuárias, agroecológicas, de extrativismo e produção sustentável. Vários sistemas de captação e armazenamento de água para consumo humano e produção já foram implantadas, com cisternas, sistema telhadão e calçadão, além de fossas biodigestoras, biofertilizantes e duas casas de sementes crioulas.
O Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu possui um território fértil para este tipo de iniciativa, mas segundo Jerre, ainda faltam recursos para ampliar o projeto para outras áreas da região. Ele ainda analisa de maneira crítica a questão: “Talvez a fatia do bolo esteja mal distribuída, pois nos locais onde há na mídia na linha dos recursos hídricos a situação é diferente. Nós acreditamos que seria necessário um olhar diferenciado para o semiárido, para o Piauí, Bahia, outros estados e para o norte de Minas, claro. É uma crítica construtiva que colocamos, desde já”.
Assim, ao trabalhar a questão das Unidades de Conservação do Mosaico com as tecnologias sociais é possível mobilizar as populações para a produção em pequena escala e em consonância com a preservação ambiental. No semiárido mineiro a convivência se constrói a cada dia, com solidariedade e criatividade, por um desenvolvimento mais harmonioso com a terra.