Imagem: Fernando Madeira / A Gazeta do Povo
E o pior, antes de tudo, há alguns anos atrás, certamente iniciaram uma conversa duvidosa sobre mineradora e desenvolvimento, geração de emprego, renda, produto interno bruto, estratégias de crescimento… E continuam dizendo! Para eles, Vale a pena dizer. E muito antes ainda, passaram bandeirantes, catequizadores, fazendeiros. E a lama se espalhando. É lama, é alumínio, é o fim do caminho, do ferro o cobre, o desgosto do chumbo, mercúrio, é um pouco sozinho…
Sim, lama de rejeitos minerários no Rio Doce, o “riacho doce” – “onde ser é ternamente passar”, nas palavras e melodias de Beto Guedes, Tavinho Moura e Ronaldo Bastos. Mas poderia ser também agroquímicos se disseminando nos fluxos hídricos da Bacia do Rio São Francisco, ameaça evidente ao rio que inunda as paisagens de Grande Sertão: Veredas.
Ou ainda o mesmo veneno lentamente dissipado nas águas do rio do amor, Rio Urucuia; e os olhos de Diadorim em prantos. Por um desvio, seria o gás de xisto a alimentar nossos lençóis freáticos com poluentes, quando sondado para extração dois anos atrás no Aquífero Urucuia. Ou então pela influência das “pequenas” centrais hidrelétricas no Rio Carinhanha e seus “grandes” alardes e impactos socioambientais.
Qual a próxima verdade que deixarão no nosso colo? O que vamos ouvir em seguida?
Drummond antevia tal tensão já no início dos anos 1980, quando escreveu a “Lira Itabirana”: “Quantas toneladas exportamos/De ferro”?
E, ainda mais, o poeta do Rio Doce nos perguntava : “Quantas lágrimas disfarçamos/Sem berro”?
E agora o sertão de Rosa também se pergunta: quantos mais pivôs centrais serão precisos, quantos litros de água, quantas toneladas de soja exportaremos?
A esperança do meio do fel do desespero
Não é só Drummond, não só Guimarães Rosa. Seu Bauzinho, poeta da comunidade do Traçadal, região do Rio Pandeiros, também questiona, em um de seus versos, o tal “desenvolvimento” que se fala nas salas de governo, na sede das empresas: “Essas promessas de emprego/ Muitas vezes causam medo/Porque tudo é falsidade/Se emprega 100 pessoas/Tem 500 famílias à toas/Mudando para a cidade”.
Continuamos a lembrar da saudade doce do rio e questionar nosso futuro. Enquanto outros permanecem nos ofertando o amargo das lamas, nosso “presente” de grego. De novo irão falar mais! E não terão a humildade para ouvir Bauzinho, Drummond, comunidades atingidas por barragens, povos migrantes, populações indígenas, quilombolas, desapropriados por “projetos” de desenvolvimento. O que de fato acontecem são audiências públicas “burocráticas”, ausência da participação popular, como foi o caso em Bento Rodrigues, de acordo com a Nota da Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
E já ouço as novas notícias. Elas dão conta sobre dois processos para satisfazer o “fast food” do desenvolvimentismo a todo custo. Vinte dias depois da tragédia de Mariana, o projeto proposto por Fernando Pimentel (PT) é aprovado na Assembleia Legislativa do Estado na última quarta-feira (25/11), no intuito de acelerar a concessão de licenças ambientais a empresas de mineração. Assim, a concessão de licenciamento para “projetos prioritários” do governo serão bem mais rápidos, como um lanche feliz para os agentes econômicos, porém intragável para a sociedade.
Na manhã da mesma quarta-feira, uma Comissão Especial do Senado aprovou o projeto que fragiliza o principal instrumento de proteção contra tragédias, como a do Rio Doce. Trata-se do Projeto de Lei do Senado (PLS) 654/2015, que cria um “rito sumário”, com cerca de oito meses, para o licenciamento ambiental de empreendimentos que sejam classificados como “estratégicos” pelo governo. Lástima!
Sobre o nosso sertão, no mês de agosto publicamos sobre excesso de desmatamento e a mentalidade do modelo produtivo no Cerrado no Oeste baiano, com consequências diretas e indiretas ao norte mineiro, inclusive em áreas do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu. Outras reportagens denunciaram os desmatamentos do norte de Minas em 2015, como a série de matérias do Estado de Minas, também no início de agosto. Lástima!
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Que consigamos compreender a profecia de Drummond!
E, mais ainda, que o sertão de Guimarães Rosa e o Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, como um todo, não siga a mesma sina. Que não se entregue às multinacionais, às dívidas de outros. Que não exportemos nosso Urucuia, nosso Carinhanha, nosso Pandeiros, nosso Pardo, nosso Velho Chico.
Que o redemunho da ganância não leve nossas veredas!
A travessia é longa, é tortuosa, é difícil.
Mas: “A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado…”.