Notícia | 15 de julho de 2015

Mosaico de olhares para o sertão

Lideranças locais dialogam sobre o Caminho do Sertão e o território dos gerais

Com os corpos ainda em trânsito e os corações flutuando sertão adentro, caminhantes de diversas partes do país alcançavam de forma triunfal a praça central de Chapada Gaúcha, para o XIV Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas. Já no início da noite da última sexta-feira, 10/07, a recepção calorosa da cidade indicava que finalmente estava encerrada a dura jornada da 2ª edição do Caminho do Sertão.

Porém, ainda faltavam alguns passos na estrada e algumas considerações a serem alinhadas. Na manhã seguinte, com sorrisos de alívio e semblantes de dever cumprido, bastava apenas assentar um pouco a poeira e esfriar os ânimos para discutir as propostas e o porvir das próximas travessias do “Caminho”. Antes dos últimos cinco quilômetros que levariam os caminhantes ao ponto final e simbólico do percurso – o Parque Nacional Grande Sertão Veredas – uma mesa redonda foi proposta para uma confluência de diferentes olhares para o sertão, dentro da programação do Encontro dos Povos.

Cesar Victor, superintendente executivo da Funatura (Fundação Pró-Natureza), puxou a roda de conversa pela perspectiva da ocupação humana no território do Mosaico Sertão Veredas Peruaçu. Afinal, qual a diferença da lógica de ocupação dos povos cerradeiros, camponeses e indígenas que mantiveram o cerrado em pé desde as primeiras presenças humanas no Cerrado, para a lógica das transformações mais recentes e radicais na paisagem, por intermédio dos programas governamentais de ocupação do território? Questionamento entrelaçado e discutido logo em sequência por Xico Mendes (escritor e historiador), em uma visão da identidade territorial, por “espaços de lugares”, de afetividades. Segundo o palestrante, tais espaços ganham projeção na região, a partir do momento em que projetos contra hegemônicos entram em cena, como o Mosaico de Unidades de Conservação Sertão Veredas – Peruaçu ou a Agência de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Vale do Urucuia.

Outras falas continuavam a contextualizar por onde aqueles caminhantes haviam depositado seus pés e sentimentos nos dias anteriores. Finalizando a primeira roda de discussão, o ex-prefeito de Chapada Gaúcha, José Raimundo Gomes, aprofundou a questão política na região, colocando em pauta as dificuldades e esperanças do município e entorno. Mas ainda faltava a segunda parte do debate.

José Idelbrando, liderança do Vale do Urucuia, argumentou sobre o empoderamento comunitário, com os pés no chão: “é preciso ter um projeto de desenvolvimento e fazer com que os atores participem e introjetem essas ideias e utopias enquanto políticas públicas”. E Gustavo Meyer, recém-doutor pela UFGRS, estudioso do campo artístico cultural em vias de desenvolvimento rural, contrastava algumas imagens de desenvolvimento: dançadoras, artesanato e tradição cultural, por um lado, e o rural dominado pela técnica, por outro.

Para finalizar a roda, voltemos ao caminho em si. Almir Paraka, ativista cultural e um dos idealizadores da proposta, tratou de tecer considerações sobre a “pegada antropológica” do caminho, no qual a travessia teria um pé na luta social e outro na espiritualidade. Para isso seria preciso capturar pessoas interessadas na poética do sertão, em sua dimensão existencial, “dialogando com o território, com o espaço, com a geografia, com a cultura”.

Algumas perguntas brotavam da plateia: qual o impacto do caminho para as comunidades? Quais imagens de desenvolvimento estamos construindo? Como conciliar espiritualidade e luta? Essas e outras questões ainda estão sendo respondidas e continuarão sendo pensadas: ricas trilhas para se caminhar. Porém, sintetizando um pouco do que foi discutido naquela mesa, antes dos últimos passos da edição de 2015 rumo ao Parque, Damiana Campos, coordenadora executiva do Instituto Rosa e Sertão, e mediadora do diálogo até aquele momento, propôs ainda outro olhar. “E se olharmos para o caminho como uma forma de trânsito e visita? E se olharmos para o caminho como a festa de reis?” Um grande giro de folia que percorre as comunidades, em que as memórias das pessoas constroem a narrativa da travessia.

Enfim, para concluir o giro, os caminhantes seguiam reflexivos da praça para finalizar o último ciclo do caminho de 2015. Sem perceber que, ali mesmo, o próximo Caminho do Sertão já dava seu primeiro passo.

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