Uma atuação descompassada com as políticas de conservação ambiental vem chamando a atenção nos últimos meses no Brasil, no que diz respeito aos conflitos e impactos em torno do ambiente do Cerrado brasileiro e seus povos e comunidades. A mola propulsora desse movimento está atrelada a cultura da soja, como vetor de expansão da fronteira agrícola em áreas do interior brasileiro, nos “gerais”, onde as populações do Cerrado estão constantemente ameaçadas.
Uma das grandes frentes agropecuárias e com influência em todo o território do bioma está em plena atividade, no chamado MATOPIBA (áreas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Contudo, mesmo que essa região não conte com um sistema avançado de monitoramento da devastação, como acontece com a Amazônia, grupos e organizações da sociedade civil começam a se organizar para contrapor o discurso do desenvolvimento agrícola a qualquer custo.
Recentemente, a Agência 10envolvimento, membro da Rede Cerrado, com atuação no oeste baiano, dirigiu uma carta aberta a Sr.ª Izabella Teixeira, Ministra do Meio Ambiente. O ofício aponta para o excesso de autorizações de supressão do Cerrado na região, concedidas pelo Governo da Bahia. Segundo o documento, com o ritmo atual dos licenciamentos, não haverá mais cerrado nativo no oeste baiano daqui a dez anos. Na mesma linha de discurso, servidores do corpo técnico do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), autarquia da administração indireta do estado da Bahia, dirigiu uma carta aberta à sociedade no intuito de alertar a toda sociedade civil para os desmandos provocados pela política ambiental promovida na atual gestão.
Os servidores chamam a atenção para o desmonte da gestão ambiental na Bahia, indicando sérias denúncias do ponto de vista ambiental, como no trecho a seguir: “É grave ver ‘legalizada’ neste Estado a flexibilização dos instrumentos de gestão ambiental, a exemplo da isenção de licenciamento para agricultura e pecuária extensiva, e o excesso de autorizações para supressão de vegetação nativa que potencializa desmatamento insustentável”.
Norte Mineiro e Mosaico em alerta
Além das consequências regionais, o excesso de desmatamento e a mentalidade do modelo produtivo no Cerrado no Oeste baiano atingem diretamente e indiretamente a região do norte mineiro, inclusive em áreas do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu. De acordo com Edite Lopes de Souza, coordenadora do setor de meio ambiente da Agência de 10envolvimento, o impacto ambiental e social começa a chegar às proximidades do Parque Nacional Grande Sertão Veredas: “Os licenciamentos avançam em ritmo muito forte. Temos acompanhado o Diário Oficial da União e dados do INEMA. Grande parte do desmatamento está direcionado aos extremos do oeste baiano: Formoso do Rio Preto em uma ponta, e o município de Côcos, na outra, constando no território do Mosaico”.
A preocupação é válida se ainda considerarmos uma série de reportagens veiculadas pelo jornal Estado de Minas no início deste mês sobre a questão do desmatamento em Minas Gerais. Elas apontam para a retirada de vegetação nativa do Cerrado para o cultivo agrícola ou monocultura em várias regiões do estado, incluindo a porção oriental do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu. O jornal apurou que, entre maio de 2013 e de 2015 foram desmatados 25.468 hectares de cerrado, correspondente a 768 vezes o território de BH, segundo os registros do sistema de monitoramento do IEF (Instituto Estadual de Florestas).
Debate
Uma das grandes contradições desse processo de desmatamento está no âmago dos próprios órgãos públicos, na adoção de medidas de incentivo ao avanço da fronteira agrícola, por um lado, com financiamento público para o agronegócio e, por outro, pela conivência dos órgãos ambientais para licenciamentos de empreendimentos. Luis Carranzza, membro da Rede Cerrado, analisa a gravidade dos impactos sociais: “O avanço do desmatamento tem acontecido sem licenciamento ambiental ou com conivência do Estado. São áreas onde vivem comunidades tradicionais e estão presentes uma série de práticas e conhecimentos tradicionais de colheita, de religiosidade e manifestações culturais. A expulsão dessas comunidades acontece muitas vezes de forma truculenta e sem amparo legal, desestruturando as importantes relações culturais existentes ali”.
Em audiência pública marcada para a próxima quinta-feira (27/08), em Brasília, tais questões serão discutidas por representantes de diversas entidades da sociedade civil, de comunidades tradicionais, ONGs e também dos Ministérios de Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Para Carranzza, será um momento importante para alertar a sociedade sobre os rumos tomados pela expansão da fronteira agrícola, e dos consequentes problemas sociais, culturais e ambientais no MATOPIBA e no Cerrado, de uma forma geral.
Desde muito tempo tal lógica tem perpetuado no interior brasileiro e o território do Mosaico deve permanecer atento a esse processo. O próprio sertão de Grande Sertão: Veredas “é onde manda quem é forte”. Mas as manifestações opostas também sempre estarão em jogo, como as veredas no meio do sertão. Para Edite Lopes, da 10envolvimento, é preciso um novo olhar, de engajamento social. E alerta: “O capital só está olhando para o lucro, para ele não tem mais meio ambiente, pessoas. Quem decide politicamente são os grandes fazendeiros. Aqui (no oeste Baiano) tem gente sendo expulsa à bala. Se a sociedade não se manifestar em prol da água, das matas, das pessoas, aí fica difícil de segurar”.
Mais informações:
Audiência Pública
Objetivo: discutir o Plano Nacional de Defesa Agropecuária (PDA) e a Agência de Desenvolvimento do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
Local: Plenário 08, Anexo II, Câmara dos Deputados, Brasília/DF
Data: dia 27 de agosto (quinta-feira), às 10h.